segunda-feira, 4 de maio de 2015

Um “cafezinho” por Alcântara

Por José Arbex Jr.



Alcântara, a aproximadamente 60 minutos de barco de São Luiz do Maranhão, é um lugar belíssimo.
Já foi um dos centros mais prósperos da época colonial, habitado por uma alta aristocracia que enviava os filhos para completarem os estudos em Coimbra como testemunham as ruínas de antigos e imponentes casarões e a praça central, onde ficam o pelourinho e a matriz.

Hoje, Alcântara vive uma tragédia. Para o azar supremo de seus atuais habitantes, a posição geográfica da área situada a dois graus da linha do Equador é perfeita para o lançamento de foguetes, razão pela qual o Brasil resolveu construir ali uma base espacial, produzindo um desastre social . E também fica na entrada da Amazônia. Resultado: os Estados Unidos cobiçam Alcântara. Ofereceram um acordo ao Brasil: pagamento de 34 milhões de dólares anuais (menos de um cafezinho, para os padrões americanos) pelo aluguel da região. Mas o mais ridículo são os termos do acordo.



Imagine a seguinte situação: um sujeito quer alugar um quarto da sua casa, onde você mora e vive. Propõe, como pagamento pelo aluguel, alguns trocados. Exige, em troca, que você se mantenha bem longe do quarto; que renuncie até mesmo ao direito de sequer perguntar para quê servem algumas misteriosas caixas lacradas que o sujeito já diz, de antemão, que pretende levar para o quarto; proíbe, além disso, que você use o dinheiro do aluguel como bem entenda, ou que, finalmente, alugue outros quartos para outros inquilinos sem autorização prévia do tal fulano. Você toparia?

Parece piada, mas estes são os termos do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas que o governo Fernando Henrique Cardoso assinou com Washington, em maio de 2000. Em troca de um cafezinho, FHC garante a Tio Sam o controle total sobre a base de lançamentos, permite aos Estados Unidos desenvolver programas sigilosos, além de realizar operações sem o conhecimento das autoridades brasileiras. Nos termos do acordo, só as pessoas ligadas ao programa aeroespacial americano poderão circular em Alcântara. Fica expressamente proibido o acesso e a circulação de brasileiros na base, mesmo que sejam parlamentares ou membros do Executivo (incluindo o próprio presidente da república!). Além disso, nenhum material que chegar ou sair da base, de qualquer origem ou destinação, poderá ser sequer tocado por brasileiros.

O acordo também garante a Tio Sam o direito de não comunicar às autoridades brasileiras a natureza ou a data exata em que serão realizadas operações ligadas ao programa aeroespacial americano. E mais: Tio Sam exige que o dinheiro do aluguel não seja investido no programa aeroespacial brasileiro e que o Brasil não estabeleça parcerias no setor aeroespacial com nenhum outro país sem a sua autorização prévia!

Na prática, o governo está permitindo que os Estados Unidos montem sua primeira base militar no país, com capacidade de controlar estrategicamente a floresta amazônica, como parte de um complexo que inclui suas bases na Bolívia, Colômbia e Equador.

Breve história da base de foguetes

1980 – O governo brasileiro cria o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão; desapropria por decreto uma área de 52 mil hectares, onde viviam cerca de 500 famílias, a maioria descendentes de quilombolas que sobreviviam de pesca e de agricultura de subsistência.

1990 – A área da base é ampliada para 62 mil hectares.

Maio de 2000 – O governo assina o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com Washington, que garante aos Estados Unidos o direito de usar a base. Por força da Constituição, o acordo precisa da aprovação do Congresso.
2001 – A Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados rejeita o acordo por unanimidade, a partir de um relatório do deputado Waldir Pires (PT-BA), que considera os seus termos lesivos à soberania nacional. Apesar disso, o acordo é aprovado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, com base em parecer do deputado José Rocha (PFL-PA). Cria-se um impasse.

Março de 2002 – O acordo é encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, tendo como relator o deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA). Após o parecer da comissão, o acordo vai a votação no plenário da Câmara.

Despejo dos quilombolas

A criação do Centro de Lançamento de Alcântara implicou a expulsão de cerca de 500 famílias, descendentes de quilombolas, para agrovilas no interior do Maranhão. Em 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello destinou mais 10 mil hectares para a base. Resultado: outras 200 famílias foram para as agrovilas.

Essas “transferências” são de uma violência brutal, não só por terem mudado radicalmente a vida de comunidades inteiras que viviam de pesca típica daquela região específica, mas também pela destruição de patrimônio histórico e cultural preservado pelos quilombolas.

“O governo amontoou nas mesmas agrovilas grupos distintos de pessoas, não respeitando as diferenças culturais”, diz Dorinete Serejo Moraes, do MAB (Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara).

Publicado no Boletim Mundo Ano 10 n° 6

O autor

José Arbex Júnior (Marília, 18 de maio de 1957) é um jornalista e escritor brasileiro. Graduado em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1982), em 2000, obteve seu doutorado em história social pela (com Telejornovelismo - mídia e história no contexto da guerra do golfo), sob a orientação de Nicolau Sevcenko. É professor do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Chefe do Departamento de Jornalismo da mesma Universidade. É também docente da Escola Nacional Florestan Fernandes. Foi também professor da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero‎ (2001 - 2002).

Começou sua carreira como jornalista na editoria do semanário trotskista O Trabalho, ligado à Organização Socialista Internacionalista (OSI), a qual atuava no meio estudantil com o nome de "Liberdade e Luta" - Libelu). Posteriormente, trabalhou por vários anos no jornal Folha de S. Paulo, chegando a ser o responsável pela editoria internacional ("Mundo"). Deixou a Folha em 1992, por discordar da linha editorial do jornal.

Foi editor-chefe do Brasil de Fato, criado em 2003 durante o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, mas em 2010 deixou o Conselho Editorial, acusando o jornal de ser "politicamente subordinado ao lulismo".

Atualmente, Arbex é editor especial da revista Caros Amigos (editora Casa Amarela), uma das mais importantes revistas de esquerda da América Latina.

É autor e coautor de vários livros e capítulos de livros. Escreveu também livros didáticos e juvenis. Seus trabalhos se destacam pelo conteúdo crítico, aí incluída a crítica do jornalismo e dos grandes veículos de comunicação de massa.

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